Thiago dos Santos Xavier[1]
Os consórcios intermunicipais começaram a ganhar força no Brasil com o processo de redemocratização do país e com o advento da Constituição Federal de 1988. O espírito constitucional foi contagiado pela vontade de promover um processo de desconcentração e descentralização do processo decisório das políticas públicas. Após um período de mais de 20 anos de um estado centralizador e totalitário, a sociedade brasileira exigia uma maior participação do cidadão nas políticas locais. Desta forma, o Município foi reconhecido pela Carta Magna como o terceiro ente federativo, situação inédita para qualquer outra federação do mundo. Ademais, aos municípios foram atribuídas as competências que mais impactam diretamente a qualidade de vida do cidadão como a atenção básica da saúde, ensino fundamental, gestão do uso do solo, trânsito, transporte público, iluminação pública, licenciamento ambiental, saneamento básico, resíduo sólido, habitação popular, entre outros, sem que aqueles, em sua grande maioria, tivessem a escala adequada que estabelecesse a capacidade técnica, administrativa e econômica para executá-las efetivamente. Conforme o Censo Demográfico de 2010, 80,8% dos municípios brasileiros possuíam menos de 30 mil habitantes.
A própria Constituição iniciou a adoção de remédios para solucionar esse problema, quando pela Emenda Constitucional 19/98 estabeleceu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, com a finalidade de executar a gestão associada de serviços públicos. Em 2005, foi sancionada a Lei n⁰ 11.107, que dispõe sobre as normas gerais para a contratação de consórcios públicos e, em 2007, esta Lei foi regulamentada pelo Decreto 6.017. Desta forma, se consolidou o marco legal para a constituição e funcionamento dos consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes da federação.
Os consórcios públicos são, portanto, o instrumento disponível mais poderoso para transpor os entraves do nosso pacto federativo e torna exequível um conjunto de competências municipais que ainda se apresenta como um passivo histórico junto aos cidadãos. Além de contribuir para a promoção de políticas de desenvolvimento regional e territorial. Para além dos ganhos de escala, os consórcios geram economia ao erário pelo compartilhamento dos serviços comuns e das licitações. Estas ainda podem ser realizadas em limites por modalidade e dispensa superiores a de outros órgãos públicos, o que garante mais agilidade no processo de compras públicas. Consórcios públicos também podem realizar serviços de regulação, fiscalização e cobrança; promover desapropriações; realizar operações de crédito e parcerias público-privadas – PPP.
Não por acaso, é notório o avanço deste instrumento de cooperação federativa no Brasil, tanto do ponto de vista numérico, quanto em melhorias significativas em serviços públicos regionalizados. Com destaque para a saúde, saneamento básico, resíduo sólido, meio ambiente, infraestrutura e serviço de inspeção municipal – SIM. A realização de compras compartilhadas também gera uma economia de 30 a 40% de recursos públicos, além de a estrutura de governança permitir maior transparência e controle destes gastos.
Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios – CNM, em 2021, o Brasil possuía 598 consórcios públicos. Quanto aos municípios consorciados, as regiões Sul e Sudeste apresentavam percentuais de 95,2% e 96,8% respectivamente, a Centro-Oeste de 79,2%, a Norte contava com 44,4% e a Nordeste possuía 78,4% dos governos municipais participando de algum consórcio público.
É importante destacar que existem consórcios finalitários, que possuem uma única finalidade, e os multifinalitários, que atuam em diversas áreas. Pelo levantamento da CNM, 54,1% eram finalitários e 45,1% multifinalitáros. As 10 principais áreas de atuação do total de consórcios eram: saúde (11,3%), resíduos sólidos (7,9%), meio ambiente (7,3%), infraestrutura (5,7%), cultura (5,3%), saneamento – água (4,8%), agricultura (4,5%), saneamento – esgoto (4,2%), educação (4,1%) e assistência social (3,9%).
Além dos Municípios, também os Estados e a União podem se consorciar, de forma horizontal (entre si) ou vertical (com outros entes). Neste sentido, foram criados consórcios como a Autoridade Pública Olímpica – APO[2] (União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro), os consórcios de saúde da Bahia e do Ceará (Estado e Municípios) e os interestaduais: Brasil Central, Amazônia Legal, Consórcio Integrado Sul-Sudeste – CONSUD e o Consórcio Nordeste.
O CONSÓRCIO NORDESTE
Formado pelos 9 estados da Região Nordeste, o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste – Consórcio Nordeste, foi implantado no ano de 2019 com a missão de “promover a articulação de um projeto estratégico para a região Nordeste, com aproveitamento do potencial socioeconômico, a criação e implantação de políticas públicas e projetos integradores, estruturantes e inovadores, que contribuam para o combate às desigualdades e para o desenvolvimento sustentável da região”[3].
Em um ambiente político temerário aos estados nordestinos, que, já não bastasse o histórico descaso do Governo Federal para com a Região, excetuando o período dos governos petistas, seus governos passaram a sofrer uma intensa perseguição de um Presidente da República explicitamente anti-republicano e anti-democrático. Amadurecido no âmbito do Fórum dos Governadores do Nordeste, o Consórcio já nasceu como um dos maiores avanços institucionais do pacto federativo brasileiro. A articulação dos governadores, para além dos ganhos políticos e de resistência democrática, iniciou um processo de parceria entre os estados que permitiu a formulação de um conjunto de políticas públicas que irá promover de forma estruturante o desenvolvimento sustentável do nordeste brasileiro. Das ações já em implementação do Consórcio Nordeste, podemos destacar:
O fato é que o Consórcio Nordeste ainda está em processo de formação, as oportunidades e potencialidades são muitas e, em breve, este órgão deve ter uma importância e dimensão que pode revolucionar a gestão compartilhada de serviços públicos no Nordeste e no Brasil.
OS CONSÓRCIO INTERMUNICIPAIS E INTERFEDERATIVOS
O número de municípios consorciados vem avançado no Nordeste. Como já dito, segundo a CNM, 78,4% dos municípios nordestinos estavam envolvidos em algum consórcio em 2021. Este número era de 53,0% em 2018. A expectativa é de que nos próximos 3 anos quase a totalidade dos 1.793 municípios nordestinos estejam organizados em consórcios públicos.
De um modo geral, os consórcios intermunicipais nordestino são multifinalitários, atuando em diversas áreas: educação, saúde, meio ambiente, infraestrutura, desenvolvimento rural, apoio ao planejamento e gestão municipal, turismo etc. O tema dos resíduos sólidos é o que está mais proeminente na atualidade. Estados como Alagoas, Sergipe e Ceará estão avançados na meta de zerar os lixões para os próximos anos. Na Bahia, o governo estadual possui uma política de apoio e incentivos aos consórcios, estabelecendo por meio de contratos e convênios parcerias nas áreas de manutenção de estradas, licenciamento ambiental, assistência técnica e extensão rural, Serviço de Inspeção Municipal – SIM, regularização fundiária, entre outras.
No Ceará e na Bahia, foram criados consórcios interfederativos, formados pelos Municípios e o Estado. Em ambos os estados, são consórcios de saúde responsáveis por gerir policlínicas para o atendimento especializado e realização de exames. No Ceará, ainda existem os Centros de Especialidades Odontológicas – CEO. A Bahia possui 21 policlínicas implantadas e deve fechar o ano de 2022 com 25, e o Ceará possui 22 policlínicas e CEOs. A introdução destes serviços nestes estados promoveu uma verdadeira revolução na atenção à saúde de média complexidade nas suas regiões. Por meio de agendamentos, serviços de transporte moderno e atendimento especializado, em muitos lugares já não existem mais filas de espera para o cidadão ser atendido. O mercado privado também teve que se adequar com um padrão de preços mais módicos para prestarem os seus serviços.
Cabe destacar a organização dos consórcios em entidades de representação estadual. A exemplo da Federação Maranhense dos Consórcios Intermunicipais – FEMACI, a Federação dos Consórcios Públicos da Bahia – FECBahia e a Federação dos Consórcios Públicos de Alagoas – FECAlagoas. Instituições importantes para o desenvolvimento dos consórcios públicos em seus estados.
AGENDA PARA OS CONSÓRCIOS NORDESTINOS
Frente ao exposto, é evidente que os consórcios públicos devem ser uma peça fundamental para a melhoria dos serviços públicos e da qualidade de vida da população nordestina. Para tanto, deve-se:
[1] Economista e mestre em administração de empresas pela UFBA. Ocupa o cargo de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado da Bahia – EPPGG, atualmente assessorando o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CODES, órgão vinculado ao Gabinete do Governador.
[2] Este já foi extinto uma vez que serviu para operacionalizar os serviços referentes à Olimpíada RIO 2016.
[3] CONSÓRCIO NORDESTE. Relatório de Atividades 2019-2021.