Associação dos Gestores Governamentais do Estado da Bahia

‘Com Licença, Casimiro’: Poesia de EPPGG é classificado em concurso literário

30/09/2014 Entretenimento

“Oh ! Que saudades que tenho. Dos tempos da minha infância, da vida em exuberância. Que nestes versos desenho”… A poesia ‘Com Licença, Casimiro’, de autoria do EPPGG Péricles Monteiro, foi classificada no I Concurso Literário do Servidor Público.

Este e os demais poemas classificados podem ser lidos e votados no Portal do Servidor.

Abaixo, o poema de Péricles na íntegra:

COM LICENÇA, CASIMIRO

 Péricles Monteiro

Oh ! Que saudades que tenho

Dos tempos da minha infância,

Da vida em exuberância

Que nestes versos desenho.

Das coisas que aqui resenho

– Se a memória não falhar –

Alguns hão de se lembrar

Sem esconder um suspiro.

Com licença, Casimiro,

Eu preciso recordar.

Era um tempo de sonhar,

Usar imaginação,

Não tinha televisão

Para a mente conformar.

Bastava apenas pensar

E tornar-se aventureiro:

“Quer dizer que sou bombeiro,

Patente de coronel,

No quintal tem um quartel,

No pé de tamarineiro!”.

Aí eu viro um arqueiro

Do bando de Robin Wood.

E pro rei com quem não pude,

Digo “dois alto”, matreiro;

Imune, eu sou o primeiro,

Cabo da tropa fingida,

Dou comando, ordem-unida,

Até que uma voz chama:

“Toma banho e vai pra cama;

Amanhã, tem nova lida!”. 2

Da aurora da minha vida,

O amanhecer em centelhas:

O sol nas frestas das telhas,

A luz entrando atrevida;

Fio de mágica descida,

Que tento pegar com a mão,

Mas ele não deixa, não,

Me escapa por entre os dedos

E se vai com seus segredos,

Mudando de direção.

E quanta disposição,

Já acordava com fome.

“Menino que muito come,

Cresce e fica sabichão!”

Quem dá sustança é feijão!”

“Se não comer cai na peia!”

E tome mingau de aveia,

Leite, cuscuz, aipim,

Sobremesa de pudim;

“O que sobrar vai pra ceia!”.

Assim, de barriga cheia,

Corria para a escola,

Dando chute em pedra e bola

Na paleta pela areia,

No barro que enlameia

A alpercata curtida,

E na cabeça a batida:

“Só aprende quem se esforça,

Se não vai puxar carroça

Por todo o resto da vida!”. 3

Da minha infância querida,

Lembro os bancos escolares,

Alisados aos pares.

Um dividir que convida

A somar na acolhida,

A juntar-se ao diferente.

Uma mistura de gente,

Compartilhando o espaço,

A régua e o compasso,

Pluralizando o ambiente.

A disciplina exigente

Do bolo de palmatória,

Quando falhava a memória

(Decoreba inteligente!).

Mesmo não sendo parente

– Como hoje chamam “tia” -,

A professora agia

Como a um filho adotado,

Ensinando com cuidado

Como a própria mãe faria.

Somava, subtraía,

Aprendia a tabuada,

Soletrava “tro-vo-a-da”,

Botava agá em Bahia.

Mas se o dever não fazia,

Com as respostas ideais,

Não escapava jamais

De cem vezes escrever

“A lição devo fazer”,

Fora o bilhete pros pais. 4

Que os anos não trazem mais!,

Hoje sei, por isso penso,

Cada vez mais me convenço,

Que estes dias digitais,

Com seus padrões tão iguais,

Cerceiam a vida plena

E fazem a alma pequena,

Como dizia o poeta.

E a gente quase vegeta

Vendo sempre a mesma cena.

A vida se oxigena

Com o ar da liberdade,

Como a de passar a tarde,

Que cai tristonha, serena,

Numa rua tão amena.

Se o locutor anuncia

Lá do alto a Ave-Maria,

Faz que um menino capeta

Não resista e se derreta

Com a triste melodia.

Entretanto, a alegria

Volta, assim, num repentino.

O sol não tá mais a pino,

Porém mal começa o dia

Pra se fazer arrelia.

É quando certos odores

Chegam aos nasais sensores,

E um pirralhinho aconselha:

“É quem está com a mão vermelha;

Examinem-se, senhores!”. 5

Que amor, que sonhos, que flores,

O firmamento brilhante

Num cenário deslumbrante,

(Quem terão sido os pintores,

Artesãos e escultores?)

De o olhar fazer rugas,

O dedo encher de verrugas

De tanto contar estrelas;

Que alegria ao vê-las

Cadentes em suas fugas!

Não importa se madruga,

Se nuvens cobrem o céu,

Nelas vejo um corcel,

Elefante, tartaruga.

Devaneio que conjuga

Quase nada a quase tudo,

Pois um menino abelhudo

Vê tanta coisa num vulto,

O que não pode um adulto

Com o seu pensar sisudo.

Como era bom jogar ludo,

Ponga d’água e fura-pé;

Com um ovo na colher,

Correr num saco graúdo.

E usava-se de tudo

Que virasse brincadeira:

O mamão era a caveira;

Uma tábua e muito afã,

E o carro de rolimã

Despencava na ladeira. 6

Naquelas tardes fagueiras,

Ia empinar arraia;

E no meio da gandaia,

A provocação guerreira:

“Minha linha é de primeira!

Quem quer ‘vim’ no barandão?,

Corto linha e cordão!”.

“O meu gunho é arretado,

O meu nó é alinhado,

Meu tempero é de limão!”.

Pra brincar de batalhão,

Bastava arrumar patente.

Escolhido o tenente,

Tava pronto o pelotão.

Mas se errasse na função,

O castigo tinha vez:

O corredor polonês,

Passa-ponte ou calça meia

Ou cascudo com areia,

Era ao gosto do freguês.

Meninas nas matinês,

Lá nas rodas das cirandas;

E o povo nas varandas

Ouvindo o canto da vez:

Agora passarás, três;

De sete, namoradeira;

Sou carioca e mineira;

Sou pobre e também sou rica,

Demarré. Minha casa fica

Lá na Praça do Ferreira. 7

À sombra das bananeiras,

Descansava do batente,

Pois brincar dava na gente

Uns momentos de canseira.

Porém, naquela leseira,

Já chegava a imagem

Da próxima traquinagem:

De fazer cobra de cinto,

Dando susto no distinto

No momento da passagem.

Olhando a paisagem,

Via os pés de sapoti,

O canto do bem-te-vi

Denunciava a sondagem.

Quando chegava a coragem

Que o temor dissimula,

Falava mais alto a gula

E, antes de jogar o baba,

Ia roubar manga e goiaba

Lá num sítio do Cabula.

“Arte” que só se formula

No tempo e local propício.

Hoje não tem mais resquício

Do meio que estimula.

O pau de sebo, a picula,

O guerrô já não há mais.

Criança se satisfaz

Em frente do videogame,

E mesmo que a casa queime,

Não abala o rapaz. 8

Debaixo dos laranjais,

Chupava fruta de vez;

E, imaginem vocês,

Quando vinham os sinais

De enjôos anormais,

De mal-estar no intestino,

O remédio era rícino;

Golão de venta fechada,

E a alma era lavada

Com as entranhas do menino.

Hoje ao invés de quinino,

Da medicina caseira,

Tomo uma caixa inteira

De um remédio ultramarino,

Que quando a bula examino

Dá vontade de chorar,

Com saudades do meu chá

De cidreira, hortelã,

Capim santo, alumã

Ou tapete de oxalá.

Se amarga o paladar,

Se arde na ferida,

É sinal que, quem duvida?,

O remédio vai curar.

Mas também vai preparar,

Com a lágrima que chora,

Uma vida em sua aurora,

Pela experiência dura

Da dor e da amargura

Que o caráter aprimora. 9

O tempo, veloz por fora,

Parece parar por dentro

Para quem, bem lá do centro

Do coração, sempre aflora

Tudo o que viveu outrora

Com muita satisfação,

Porque tal evocação

De verdor nos alimenta,

Nos conforta e nos alenta,

E nos traz renovação.

Se a infância o cidadão

Teve em sua plenitude,

Não vai buscar juventude

Fora de ocasião,

Carente de emoção.

Eu vou viver a lembrar,

Com saudade salutar,

De um tempo que admiro.

Com licença, Casimiro,

Eu preciso recordar.